VALE DAS LINHAS // VALLEY OF LINES

As poucas saídas para passear durante o meu refúgio da pandemia foram perto de casa, para uma área que não me canso de percorrer e explorar. É toda a parte mais a Norte do Vale de Alcântara, se seguirmos junto às linhas de comboio até à zona de São Domingos de Benfica.

Tive tempo de pensar sobre este sítio, e com a imaginação demasiado estanque para outros trabalhos mais fantásticos, decidi começar a desenhar algumas paisagens que observei, ou a reconstruí-las, a partir de material fotográfico recolhido nos passeios.

Estas imagens são uma mistura de desenho digital (a maioria dos elementos) com colagem fotográfica (especialmente a vegetação, recolhida dos lugares reais ou de stock fotográfico encontrado online)

The few times I went for walks outside during my pandemic refuge, I went into a familiar, not too far away place which I can't seem to grow tired of exploring. It's the northern part of the Alcântara Valley, if you keep to the train lines, going into S. Domingos de Benfica.

I had time and lacked inspiration for other more fantastical work, so I decided to start drawing, or reconstructing these landscapes, from photographic material I gathered during the walks.

These pictures are a mix of digital drawing (most of the elements), and photo collage (especially the vegetation, which comes either from the real places or stock photos I found online).
É uma verdadeira interzona urbana. De certos ângulos, estamos uma paisagem campestre, com hortas e casas de aldeia. De outros, a pé entre viadutos de auto-estrada e carris, parece que naufragámos na Ilha de Cimento de J.G. Ballard. Se viermos do Sul a entrar na cidade, há uma certa monumentalidade nas contruções que se avistam, a começar pelos túneis, pontes e pilares. 

De um lado uma skyline moderna de um mini-centro financeiro, do outro uma floresta de pinheiros sobre a serra. Em cenário, as torres das Amoreiras, toda a colina de Campolide, e os arcos góticos do aqueduto.

It's a real urban interzone. From certain angles, we might think we're in the countryside, with the village-style houses and vegetable gardens. From other viewpoints, on foot between highways and rails, we seem stranded in J. G. Ballard's Concrete Island. If we are entering the city from the South, there's a certain grandiosity in the constructions you can see, starting with the tunnels, bridges and pillars.

On one side we may have the modern skyline of a mini financial center. On the other side, a pine tree forest on a mountain. Far but constant, the Amoreiras towers loom over the Campolide hill and the Aqueduct's Gothic arches.
Basta sair dos passeios mais frequentados para se notar uma tensão entre cimento e vegetação selvagem. Canas e raízes irrompem sem piedade pelos pavimentos e muros numa lentidão quase imperceptível, enquanto o tecido urbano vai invadindo a um passo muito mais rápido os descampados que rodeiam as linhas férreas.

Embora esse confronto entre construção e vegetação selvagem seja agradável de contemplar, existem outras tensões mais difíceis. Novos edifícios próximos da estação empurraram um grande número de pessoas sem-abrigo mais para a periferia, em busca de outras pontes sob as quais se abrigarem. 

If we just step out of the busier sidewalks we can notice the tension at the border between concrete and wild vegetation. Reeds and roots erupt through the pavement, relentless, but so slow it's almost imperceptible, while the urban grid invades the last unoccupied areas around the railways at a much faster pace.

That attrition between nature and construction is pleasant to contemplate, but there are other more difficult tensions. New buildings close to the station have pushed a large number of homeless people towards the periphery, in search of other bridges under which to take shelter.
Basta um buraco numa rede ou um tapume caído para criar um glitch no panorama que nos coloca fora das paredes, fora das regras e da lógica de cada um dos territórios, uns mais humanos que outros. Dois passos e estamos fora, no espaço indeterminado entre a cidade e o trânsito, nos bastidores das ficções do comércio, publicidade e turismo.
 
No entanto, devido à geografia em vale, enquanto vivemos essa excitação urbex de quebrar barreiras, não perdemos de vista as outras realidades, o que amplifica os contrastes da paisagem e a nossa dissonância cognitiva. 

A hole in a fence is enough to create a glitch in the panorama which can place us out of the walls, outside the rules and particular logic of each of the territories, some more human than others. Two steps and we're in the indefinite space between city and mass transit, in the backstage of the fictions of commerce, advertising and tourism.

However, thanks to the valley geography, while we're getting that "urbex" thrill of breaking boundaries, all those parallel universes still remain in sight, amplifying the landscape's contrasts and our cognitive dissonance.
Longe de ser desagradável, essa dissonância abstrai, e é passível de ser filtrada na caminhada solitária como quem sintoniza um rádio, principalmente por alguém sedento de estímulos, depois de semanas fechado a olhar para paredes e ecrãs. 

Para mim a experiência de caminhar pelo vale acaba por ser bastante musical. Impossível não registar o ritmo das ripas das ferrovias, dos postes elétricos, dos pilares e da sinalética da estrada. Ao que se sobrepõem notas agudas das aglomerações de folhas cintilantes ao sol, ou a canção melancólica das janelas de quartos de hotel numa parede distante.

Far from being unpleasant, that dissonance is abstracting, and can be filtered in the lonely hike like the tuning of a radio, especially by someone craving stimulation, of any kind, after weeks shut in at home looking at walls and screens. 

For me, walking along the valley ends up being quite the musical experience. Impossible not to register the rhythm of the railway slats, the street lamps, the overhead wires and the road lines, overlaid by high-pitch bursts of sparkling leaf clusters in the sunset, or by the melancholic song of a distant wall of hotel room windows.


Tenho ainda muitas fotos por revisitar e certamente que vou voltar a sair para mais explorações. Espero expandir este projecto, talvez compilar uma zine com todas as imagens. Mas para já, com algum balanço criativo reuperado, vou interromper este trabalho para retomar coisas mais fantásticas que estão há demasiado tempo na gaveta.

Se leram tudo até aqui, obrigado!

I still have many photos to revisit and I'll surely be going out soon for more explorations. I'm hoping to expand this project, maybe compiling a zine with all of the images. But for now, having recovered some creative momentum, I'm going to interrupt work here at this series of 5 so I can pick up some of the more fantastical things that have been left in the drawer for too long.

If you read this all the way here, thank you!
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